BN TALES – DUAS BATIDINHAS E APONTE

DUAS BATIDINHAS E APONTE

autor: James Figueiredo

O casal recém-formado se despede na rodoviária lotada.

O homem mais novo confere a bagagem, enquanto o ônibus se aproxima da baia designada. O homem mais velho chora.

“Promete que vai voltar?” Ele pede.
“Claro que vou!” Responde o mais novo.
“Não vai mudar de ideia quando chegar em casa?” O mais velho pergunta, entre as lágrimas.
“Não, Professor, não se preocupa!” O outro assegura.

“Vocês não vão se beijar aqui, né?” Intervém o amigo que os acompanha, visivelmente preocupado com uma possível cena. É ignorado.

“Brasília, 20h!” Anuncia o funcionário da companhia de ônibus.

O casal se beija. Não se importam com a multidão se acotovelando na fila nem com possíveis olhares de reprovação. O mais novo tem um pouco de receio, mas está muito feliz por estar ali, com aquele homem, demonstrando sem vergonha o seu amor. É uma sensação diferente de tudo que ele já experimentou. Está orgulhoso. De si mesmo e do seu novo namorado. Está triste também, pela despedida.

“Olha que eu vou embora, hein!” Brada o amigo, exaltado. Tem medo de sofrerem alguma agressão. Não é um receio injustificável.

Os dois homens choram agora. Se beijam mais uma vez. O mais novo leva a bagagem pra ser etiquetada e guardada no bagageiro do ônibus. Volta.

“Eu te amo.” Diz.
“Eu também te amo, muito!” O homem mais velho, chorando, responde. Tem medo que o outro, quase dez anos mais jovem, se mostre volúvel e imaturo. Que o gosto da novidade tenha passado, depois dos poucos dias juntos. Que a distância faça com que o namorado perca o interesse ou, pior, se abra para outros interesses, mais perto de casa. Tem medo de muitas coisas.

“Você vai desistir de mim.” Lamenta.
“Não, besta.” O mais novo responde, sorrindo em meio ao choro. “Eu já disse que volto.”
“Você não vai voltar.”

Se beijam mais uma vez. O amigo está bem alterado agora.
“Ah, mêu, vamo parar com isso?!” Ele acompanha o casal a pedido do homem mais novo. Não quer que seu namorado fique sozinho, exposto, depois que ele for embora.

“Eu te amo!” Diz o mais velho.
“Eu também te amo, muito!” Responde o mais novo. E, de longe, ao entrar no ônibus, faz um gesto que se tornará familiar a ambos no decorrer dos anos que virão. Dá duas batidinhas com o punho fechado no lado esquerdo do peito e, na sequencia, aponta para o mais velho. O namorado chora enquanto retribui o gesto.

O homem mais novo entra no ônibus. Se acomoda em seu lugar, resignado com as 14 horas de viagem até em casa. Sempre teve dificuldade em dormir nas viagens e, desta vez, está com a mente ainda mais acesa. O receio da vinda, quatro dias antes, quando são sabia muito bem o que esperar do encontro marcado pela internet, foi substituído por outros sentimentos e perguntas.

O discman, emprestado, leva um cd com uma seleção de músicas preferidas mas não ajuda o homem mais novo a se distrair. No que está se metendo? Aonde isso vai levar? Está desempregado, como vai levar essa história adiante? Mal se conhecem ainda! E se descobrir alguma incompatibilidade irreconciliável?

Então, se lembra. Do corpo do seu namorado. Gordo, peludo, lindo. Do rosto dele, barbudo, com um sorriso irresistível. Se lembra do sotaque do homem mais velho. De como conversaram sobre tudo, longamente, ao longo do mês que antecedeu a viagem e que, mesmo assim, nunca faltou assunto. Se lembra da casa dele. Se lembra da cachorrinha hiperativa e ciumenta (e faz uma nota mental sobre aprender a conviver com ela). Se lembra de como os quatro dias que passaram juntos foram uma aventura coalhada de descobertas, sorrisos, gargalhadas e possibilidades. Se lembra do sexo. Se lembra da intimidade, da sensação de poder se mostrar completamente para outra pessoa, sem temer julgamentos ou represálias. Se lembra do primeiro “eu te amo”, ouvido com certa surpresa na noite anterior e retribuído de forma desajeitada, mas sincera.

O homem mais novo ainda não sabe que encontrou o homem com quem vai querer passar o resto da vida.

Mas sabe que vai voltar.

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