BN Tales – Um conto de Tormenta: O Martelo Kassar

Woof Berds, hoje estreia uma nova coluna no Bear Nerd. Trata-se de BN Tales, onde publicaremos alguns contos fantásticos. E para começar com o pé direito, nosso colunista Rafael Maia (com ilustrações de Marco ByM) nos presenteia com uma aventura (uma fanfic) em Arton, mundo de Tormenta, na busca por um artefato perdido… E com vocês…

O MARTELO KASSAR

Autor: Rafael Maia
Ilustrações: Marco ByM

Algumas pessoas tem um conceito limitado sobre família. Muitos pensam que a base fundamental para essa classificação seja a união de um homem com uma mulher. E, por consequência, seus rebentos e desdobramentos a longo prazo. Mas aqueles que se aventuram no mundo de Arton, aqueles com a vocação para serem heróis, rapidamente descobrem que uma família pode nascer dos laços fraternos que a luta lado a lado forja ao longo das conquistas. Esse é um grupo de heróis, semelhante a inúmeros outros que partem das tavernas das tantas cidades, tantos reinos, em todo o mundo afligido pela Tormenta.

Essa é uma história que aconteceu alguns anos atrás. Antes de grandes acontecimentos no mundo, mas que poderia ter acontecido há ainda mais tempo, ou hoje. Ela fala sobre valores os quais não é preciso ser herói para desenvolver e exaltar. Fala sobre família e amor. Naquela missão eram quatro aliados que pertenciam a um grupo maior que precisou se dividir. Vamos evitar nomes aqui, para não confundir ninguém. Chamaremos cada um deles por sua competência. A Maga, formada pela academia arcana de Valkaria, líder daquele desdobramento; mulher madura e inteligente, devota de Wynna, a simpática deusa da magia. O Clérigo, seguidor da deusa Valkaria, homem sábio e centrado, mas também dotado de competência combativa. O Ladino, um meio-elfo taciturno, que cresceu e aprendeu a ‘arte da rua’ nas vielas da cidade de Valkaria e tem dificuldade em confiar nas pessoas, mas é muito competente em sua função. E o Guerreiro, valoroso homem de armas, treinado nas tropas de defesa de Valkaria, exímio combatente e portador de um coração de ouro (alguns dizem que literalmente).

Vamos acompanhar parte de uma aventura deles, que poderia ser como todas as outras, mas se mostrou especial por seu desfecho.

— Você me faz ter alguma simpatia pelo deus Tauron. Me induz a vontade de te fazer meu escravo protegido. Mas… sou devoto de Valkaria, e você se tornou minha ambição. – Disse o Clérigo. Estava sentado no chão, com a cabeça ferida do Guerreiro aninhada em seu colo enquanto rogava pelo milagre da cura.

Haviam acabado de devastar uma patrulha de goblins particularmente agressiva; a Maga e o Ladino vasculhavam os corpos em busca de recursos, dando aos dois um dos raros momentos a sós que o Clérigo tanto estimava.

— Obrigado, Clérigo. Já me sinto melhor. Mas… sobre o que disse… eu realmente acho que… – Dizia o Guerreiro quando foi interrompido pelo estridente barulho do acionamento do feitiço de alarme que a Maga havia lançado. Era um som agudo, mas audível apenas a eles. Ela logo se prontificou, finalizando o momento dos dois.

— Precisamos ir. Mais goblins estão vindo, não podemos continuar perdendo tempo assim.

O Guerreiro apertou os olhos, como quem suprime palavras importantes, virou-se e seguiu a Maga de volta a trilha na floresta. Já estavam em campanha há seis dias, e atrasados em dois no plano de chegarem a seu destino. O clérigo olhou institivamente para a direção onde ficava a estátua de Valkaria e sorriu; ele sentia-se feliz em abraçar esse desejo e sabia ter a benção de sua deusa nessa busca pessoal. Caminharam por mais um dia inteiro sem muitos problemas. E sem tempo para os flertes. Era complicado estar apaixonado pelo guerreiro. Afinal, era quem sempre se punha em risco primeiro, quem mais se machucava, quem mais precisava dele… O Clérigo já tinha noção de que a Maga percebera tudo, mas não parecia um grande problema. Ela não demonstrara nenhum tipo de interesse em nenhum deles para passar por alguma cena de ciúmes; apenas era demasiadamente concentrada na missão para favorecer qualquer situação em que aquele romance progredisse. O Ladino, por sua vez, era distante, desinteressado em seus companheiros, o que por hora agradava o Clérigo.

— Chegamos! – Disse a Maga. – Essa é a entrada da masmorra que buscávamos. Um antigo ninho de dragão que posteriormente foi usado como templo de um já esquecido deus menor. Clérigo, me ajude na busca por magias de proteção que ainda estejam ativas aqui; Ladino, pode começar a sondar por armadilhas. O Guerreiro nos dará cobertura aqui fora.

O Clérigo observava curioso os símbolos na ‘fachada’ do templo abandonado. Eram familiares a ele, mas não o suficiente para traduzi-los facilmente. Ele conhecia a missão e decidiu deixar essa curiosidade de lado e se concentrar na ordem de sua líder. Com algumas orações concluíra que não havia resíduos de proteção ali e mesmo a aura da fé, outrora poderosa daquele lugar, já era fraca e tênue. Não havia impedimentos para entrarem, como seus companheiros concordaram, e assim o fizeram.

A princípio, era uma masmorra como qualquer outra: Havia muitos goblins no primeiro pavimento, usufruindo das construções como moradia. O que explicava as tropas durante o caminho. As batalhas ocuparam os heróis por algum tempo, com algumas armadilhas elaboradas pelos próprios goblins que não representaram dificuldade alguma para o Ladino desarmar. Quando desceram para o primeiro subsolo, as coisas ficaram mais difíceis. Nem os goblins ousavam ir até lá. Os símbolos e escrituras nas paredes, as estátuas e altares se tornavam cada vez mais familiares ao Clérigo; nesse pavimento existiam armadilhas antigas, e ainda funcionais, bem mais complexas que as dos goblins. A cada sala, cada corredor, era necessário muito cuidado na busca por problemas.

O Ladino já parecia cansado e, trabalhando sob a luz das tochas, estava gradativamente fadado a deixar alguma coisa passar. O que não tardou a acontecer. Um piso-engrenagem foi acionado pelo passo da Maga ao entrarem em uma grande sala cheia de estátuas. Talvez algum tipo de tumba, onde heróis de outrora eram imortalizados em suas representações em tamanho real. E, para o azar dos heróis, cinco dessas estátuas eram golens adormecidos que despertaram devido a um encantamento-armadilha. “Cuidado! Golens de pedra!” Gritou a Maga, evidenciando o óbvio. O Guerreiro tomou a frente, largando a espada que trazia em punho e sacando o pesado martelo de guerra da cintura, um martelo idêntico ao que o Clérigo usava. Esse, por sua vez, já com seu próprio martelo em mãos, rapidamente chamou por proteção de suas magias, assim como a Maga. O Ladino desapareceu na escuridão, buscando posicionar-se da melhor forma possível para enfrentar inimigos tão formidáveis.

Espadas de pedra cortavam o ar, as marteladas de metal ressoavam pelo lugar, causando um eco assustador. O fogo das tochas tremeluzia no chão onde foram jogadas e a luz da magia criava flashes fantasmagóricos nas paredes da câmara. O Ladino logo percebeu a ineficiência de suas armas diante de tais inimigos e depois de ser atingido por um violento golpe voltou a se esgueirar e a trabalhar em um complexo esquema de cordas a fim de derrubar os golens. O Guerreio e o Clérigo lutavam lado a lado com seus escudos e martelos, protegendo a Maga que se concentrava em uma perigosa e antiga magia que poderia ser a única saída para aquele confronto. Precisavam ganhar tempo.

Martelada após martelada, ambos os combatentes já machucados de tantos golpes de pedra em seus escudos e armaduras, conseguiram induzir o recuo das estatuas até a armadilha que o Ladino preparara, derrubando-as por tempo o suficiente para que os heróis saíssem do caminho quando a Maga proferiu as últimas palavras de seu feitiço. “Pedra em carne!” Ela disse por último. E as estátuas se converteram em versões assombrosas do que eram. Amontoados de carne desforme, onde tudo o que era representado na escultura, como armas e armaduras, também se tornara carne. Ainda eram monstros, ainda pretendiam matar os heróis, mas agora poderiam ser mortos! O Ladino se tornou eficaz, suas adagas agora cortavam os inimigos e dilaceravam seus órgãos deformados. Era fácil para ele esgueirar-se entre as lentas criaturas que mantinham seu foco nos combatentes a sua frente, conseguindo sempre a melhor posição para atacar de forma letal os monstros.

A Maga pegou a espada do Guerreiro, deixada para trás, e a lançou para ele. Largando o martelo, pegou a espada no ar já desferindo um golpe poderoso que decepara de uma só vez a cabeça de um dos monstros. Não tardou para que os cinco amálgamas de carne estivessem destruídos e retornassem a sua forma de pilha de pedras. Todos respiravam fundo e descansavam o mínimo necessário enquanto o Clérigo curava-os como podia, restringindo-se a não se esgotar antes que conhecessem os demais perigos do templo.

Estavam diante de uma grande porta de pedra, cheia daqueles símbolos familiares. Após a análise exaustiva que tanto executaram pelo templo, decidiram abri-la.

— Possivelmente o que buscamos está atrás dessa porta. – Disse a Maga. – Se as lendas estiverem certas, o desafio a seguir será às nossas almas, não aos nossos corpos.

Entraram. Era uma câmara ainda maior, no centro um enorme altar vazio e atrás dele uma enorme estátua de um homem barbudo, sorridente, segurando uma espécie de martelo com duas pontas e um cabo muito curto. Com a presença dos heróis na sala, várias tochas se acenderam magicamente ao longo de todas as paredes, iluminando o recinto.

— É ele! – Disse a Maga. – Kassar, o antigo Deus da igualdade!

Ela subiu os degraus até alcançar o altar e pareceu decepcionada por encontra-lo vazio. O Clérigo a seguiu, começando a compreender porque achava as inscrições do templo tão familiares.

— Maga, Kassar não era apenas o deus da igualdade; agora consigo ler… – Disse ao afastar a poeira do altar com as mãos e procurar pelo início do texto que o contornavam. Então, leu:

— Deixem diante de mim, aquilo que amam mais profundamente. Sem seus medos. Aquilo que amam com a verdade aquém dos olhos que indevidamente lhe julgam, e então eu lhes abençoarei com o sagrado direito da liberdade.

— Eu não entendo… – Disse a Maga. – Aqui deveríamos encontrar o objeto que acabaria com guerras inteiras de intolerância… de preconceito.

— E vamos encontrar! – Disse o Clérigo. – Deposite no altar aquilo que realmente ama… O que ama apesar dos olhos que lhe julgam…

E nessa hora, inconscientemente lançou um olhar apaixonado para o Guerreiro de pé alguns degraus a baixo.

— Essa é fácil! – Disse o Ladino, aproximando-se do altar. Retirou da cintura o saco de moedas, deu um beijo nele, e colocou-o sobre o altar. Tirou em seguida algumas gemas preciosas de bolsos escondidos em sua roupa e fez o mesmo. – Não tenho vergonha em admitir que eu gosto mesmo é de dinheiro”- disse. E quando depositou a última pedra sobre o altar os olhos da estátua começaram a emanar uma luz branca que transmitia muita paz.

— Eu amo Wynna. – Disse a Maga, retirando de seu pescoço o símbolo sagrado de sua deusa e, junto de seu grimório, depositou-os sobre o Altar. – Amo a magia e a esperança que ela representa. Amo o poder que ela me confere, e não me importo como me julgam por isso!

Os olhos da estátua brilharam ainda mais, e o curioso martelo em suas mãos começou a trincar e ‘descascar’, revelando uma versão menor de tal arma, feito em metal e adornado com couro; emanando igualmente aquela luz pacífica. O Guerreiro se aproximou e depositou sobre o Altar suas armas, seu escudo, sua armadura. Disse:

— Eu amo a luta por uma nobre causa, me orgulho de usar minha força para proteger os outros. Eu amo a aventura!

Mas, nada aconteceu. Ele olhou, preocupado, para seus companheiros.

— Acalme-se Guerreiro. – Disse a Maga. – As metáforas divinas podem ser mais complexas do que percebemos; talvez você tenha entendido corretamente o que ama, mas seus equipamentos não representam bem isso… Vamos, Clérigo. Deposite seu símbolo sagrado sobre o Altar, talvez ele já seja o suficiente para conseguirmos o Martelo Kassar!

O Clérigo envolveu seu símbolo sagrado; seis faixas entrelaçadas cunhadas em bronze muito vermelho. Fechou os olhos e sorriu.

— Como eu dizia, ele não é só o deus esquecido da igualdade, respeito, tolerância… – Disse o Clérigo. – Ele não é um deus menor.

Aproximou-se do Guerreiro, ainda atônito por não ter contribuído no decifrar do enigma, colocou a mão no seu ombro, como quem lhe dá apoio no momento confuso, e olhando em seus olhos continuou:

— Kassar é um aspecto da própria Valkaria. Esquecido aqui, nessas terras distantes durante os anos em que a Deusa estava aprisionada na estátua… Esse aspecto aqui também fora petrificado. Valkaria é a deusa da ambição, da raça humana e, aqui, o mais importante… – o Clérigo continuou a discursar – Deusa da evolução! E a igualdade, o respeito, a liberdade de amar, são vitais para evoluirmos. Nossa missão aqui é maior que imaginávamos… Estamos aqui para libertar esse aspecto, esse avatar, da deusa Valkaria. A Igualdade.

Ele soltou o próprio símbolo sagrado e levou a outra mão ao pescoço do Guerreiro, voltando a falar:

— Minha deusa sabe o quanto a amo. Mas o que devo ofertar aqui é uma forma livre de amar… – E beijou a boca do Guerreiro com tanto carinho e paixão, que ao ser retribuído a estátua toda começou a tremer e brilhar, transformando-se na forma etérea que representava e depositando o martelo da igualdade no altar. A entidade riu, um sorriso leve e casual e todos sentiram uma grande paz.

Entre lágrimas, o Guerreiro abraçava o Clérigo, que ria nervoso de contentamento. A Maga olhava tudo orgulhosa, satisfeita com tudo aquilo. E o Ladino disse:

— Ah, sério? Vocês são dois homens, caras… não deviam fazer isso. Não esperava isso de vocês… Nem dessa deusa…

E diante dessas palavras a entidade risonha se transformou. Seu semblante fechou e foi possível ouvir os trovões muito acima deles. O avatar Kassar olhou zangado para o Ladino, seu martelo sobre o altar brilhou ferozmente, e a entidade disse:

“JÁ VAI TARDE! SUMA! Nunca mais volte. Você não faz falta. Seu preconceito, ignorância e intolerância não são bem-vindos!”

O Ladino se esvaneceu em fumaça e desapareceu.

— Não! Ele não merece a morte! – Gritou o guerreiro, sendo segurado pela Maga quando se lançou em direção a entidade; dizendo:

— Guerreiro! Eu compreendi a magia enquanto acontecia. O Ladino está vivo. Apenas foi banido do reinado, mas está bem. Creio que essa jornada é importante para que ele entenda… para que ele evolua!

A entidade voltou a sorrir; compreendendo a grandiosidade na ação do Guerreiro. O martelo brilhou pacificamente uma vez mais e a entidade ascendeu aos céus em uma miríade de cores, luzes e paz. Destruindo o teto e revelando um céu onde as nuvens que evocara se dissipavam, deixando para trás um perfeito arco-íris. Os três heróis se olharam com carinho enquanto recolhiam seus pertences do Altar. E o Guerreiro, afagando carinhosamente os cabelos do Clérigo disse:

— O Martelo de Kassar é seu, Clérigo. Pegue-o. Ele precisa ir diante de muitos conflitos nesse mundo; esse aspecto de Valkaria precisa ser fortalecido. – Ele olhou para a Maga, que acenou com a cabeça concordando para ele.

— Nós vamos estar ao seu lado!

O Clérigo pegou o martelo e sentiu todo seu poder. Entrelaçou os dedos da mão livre à mão do Guerreiro, levantou o Martelo e disse:

— Eu estou do lado de vocês. Estamos todos lado a lado. Somos iguais!

Então nasceu uma família, que ganhou novos membros ao longo das novas aventuras. Muitas raças. Muitas crenças. Muitos caminhos diferentes se juntaram sob o signo do Martelo Kassar, um aspecto da deusa Valkaria que também era um aspecto de muitos outros deuses; a busca por aqueles valores estava apenas começando.

O Ladino? Bem… ele não fez falta.


BÔNUS: Aproveitando a empolgação, o Rafa fez a conversão do Martelo Kassar para D&D 3.5 e 3D&T

O Martelo de Kassar é um pesado martelo de guerra com duas pontas representando o símbolo de igualdade. É feito de metal escuro e adornado com tiras de couro inscritas com os preceitos da igualdade pelo aspecto da deusa Valkaria.

D&D 3.5

Martelo de guerra +2/+5 contra criaturas malignas.
Quando empunhado por um devoto de Valkaria o martelo concede um bônus de +2 em todos os testes de resistências; e se usado contra criaturas malignas (preconceituosas ou intolerantes também) o martelo concede o benefício de +2 na CA de todo o grupo ‘oprimido’.

Quando essa habilidade está ativa o martelo emana uma luz branca que inspira paz e harmonia. Como habilidade adicional o martelo pode lançar as magias: Luz, Santuário e Vigor de urso duas vezes por dia cada como um conjurador de nível igual ao nível de personagem que o empunha.

3D&T

Martelo de guerra F+1/+3 contra criaturas malignas.

Quando empunhado por um devoto de Valkaria o martelo concede um bônus de +1 de resistência do usuário; e se usado contra criaturas malignas (preconceituosas ou intolerantes também) o martelo concede o benefício de +1 em armadura para todo o grupo ‘oprimido’.

Quando essa habilidade está ativa o martelo emana uma luz branca que inspira paz e harmonia. Como habilidade adicional o martelo concede +1 em foco de magia: Luz; para magias de proteção, iluminação e melhoria de atributos dos aliados.


Esse conto foi inspirado pela atitude do autor Marcelo Cassaro em prol dos RPGistas LGBTIs em seu perfil no facebook (que foi assunto de um post aqui do site). Novamente, nosso muito obrigado, Cassaro!

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