Pixel Extravaganza – Capítulo 1: a História da Pixel Art

Olá gente, eu sou Marcos Nogueira, ilustrador e Pixel Artist lá no Pixxeria e começo hoje uma série de artigos onde eu espero te convencer a experimentar essa mídia maravilhosa que é a arte em quadradinhos pequenininhos! Nesse primeiro dia vamos dar uma pincelada (quadriculada?) sobre alguns conceitos básicos e vou argumentar que vale a pena praticar a Pixel Art tanto se você já é um artista experiente ou está começando.

O que é – ou muito mais que quadradinhos empilhados

Bem resumidamente, Pixel Art é uma forma de ilustração 2D criada para os primeiros equipamentos eletrônicos, numa época em que o poder de processamento gráfico dos computadores era muito limitado. Desde os ícones de computadores rodando Windows 3.11 até as primeiras aparições de mascotes do videogame como Mario, Sonic e Pac Man, todas essas imagens eram formadas por pontos coloridos em um grid fixo.

Hoje são muitos anos que separam as tecnologias que exigiam a Pixel Art e a computação moderna, e até mesmo os televisores e monitores de computador da época foram substituídos por displays de altíssima resolução – e nem precisamos explicar o que exatamente é um pixel porque isso é conhecimento geral, e necessário pra se escolher um novo celular, por exemplo, e os fabricantes não vão nos deixar esquecer quantos milhares de pixels a tela é capaz de reproduzir ao mesmo tempo.

Mesmo não sendo mais necessário, vários artistas se dedicam a criar ilustrações e jogos simulando as limitações técnicas do passado, por vários motivos: nostalgia, por exemplo. Mas é mais do que isso: nos próximos parágrafos vamos entrar na questão de porque é interessante fazer Pixel Art mesmo agora, em 2021, tanto pra quem já é artista experiente quanto para quem ainda é iniciante.

Pixel Art é uma ilustração ou animação feita levando em conta o posicionamento individual de cada pixel. Numa ilustração ou animação digital de alta resolução, os pixels obviamente ainda existem, mas os softwares calculam os posicionamentos de milhares deles ao mesmo tempo para interpretar os comandos do artista.

O pensamento do artista está em alcançar uma estética que não pareça intermediada por um computador: um pintor digital como vai tentar simular a pintura tradicional, seja uma técnica de aquarela, guache, óleo…Os softwares e brushes usados também tentam simular as técnicas tradicionais, mas com as
vantagens do digital: Photoshop, Clip Studio Paint, Painter, Paint Tool Sai, Adobe Fresco… Enquanto isso, o artista de Pixel Art abraça a essência digital do seu trabalho, seja qual for a estética de Pixel Art que se queira (falaremos disso mais à frente também).

O que não é…

Uma ilustração de alta definição encolhida para baixa definição, toda borrada, não é Pixel Art. É só um algoritmo de um software agindo sem qualquer intenção artística.

Uma arte em alta definição com contornos feitos com brush serrilhado também não é, afinal, para manter nossa definição precisamos que cada pixel individual tenha um propósito na tela.

Peloamordedeus pare de me encher o saco!

Existe uma discussão sobre a validade de se chamar a arte feita nas décadas de 70 e 80 de Pixel Art, já que esse é um termo que se popularizou principalmente com o retorno moderno à essa estética. Basicamente, o argumento é que Pixel Art é o que se faz hoje, não as nossas inspirações de Mario, Sonic, Pac Man e cia.

Tudo bem, tem alguma lógica nisso. O artista que programou os pixels para que Alex Kidd desse pancada nos seus inimigos não estava (só) procurando uma estética, ele estava trabalhando com o que a tecnologia da época permitia – e se ele pudesse usar mais cores, personagens maiores e outros recursos que temos hoje, provavelmente usaria sem pensar duas vezes. Mas…essa distinção só faz a conversa ficar mais complicada.

“Pixel Art” funciona perfeitamente e é assim que vamos chamar. Podemos fazer uma comparação com os gráficos dos primeiros consoles com jogos 3D: hoje em dia chamamos os gráficos de jogos como Resident Evil 1 ou Mario 64 de “Low Poly” – são modelos 3D bem simples se comparados ao “High Poly” do Resident Evil Village ou Mario Odyssey. Vinte anos depois, o Low Poly já é uma estética em si e os artistas que fazem o retrô 3D olham para os gráficos dessa geração como inspiração – então por que não dizer que Metal Gear Solid 1 é Low Poly? Na época eles obviamente não diriam isso, aquilo era o “avanço” – mas facilita a discussão tremendamente.

Pixel Art pra quem desenha

A prática do Pixel Art é interessante pra quem já é experiente no desenho porque é um quebra-cabeça: como eu passo a informação que eu quero da forma mais simples possível? Que diferença faz passar um pixel pra cá ao invés de um pixel pra lá? E as limitações de paleta e resolução? Como isso afeta meu processo criativo?

A arte digital hoje em dia é praticamente ilimitada, mas impor limitações em nós mesmos nos ajuda a explorar diferentes soluções. Para mim, começar a trabalhar com Pixel Art foi uma quebra da mesmice com boost de inspiração e criatividade da mesma forma que troca as milhões de cores do photoshop por 4 tubos de guache quando conheci o trabalho do Davi Calil, e sinto que as duas experiências me trouxeram benefícios duradouros também pra minha arte digital de alta resolução.

Pixel Art pra quem não desenha

Começar a desenhar é inegavelmente difícil, mas também pode ser muito caro: com o câmbio atual do dólar e a situação mundial de encarecimento de hardware (brigado, pessoal da criptomoeda e NFT), comprar um PC decente, uma mesa digitalizadora, uma assinatura da Adobe ou um Ipad Pro com Apple Pencil ficou beeem caro.

Mas a Pixel Art pode ser bem acessível mesmo sem todos esses recursos. Um dos meus artistas favoritos, o Brandon James Greer, faz Pixel Arts lindíssimas usando só o track pad do notebook.

Eu pessoalmente não abro mão da stylus com mesa digitalizadora, mas é simplesmente porque anos de costume me dão conforto nessa configuração. Tem quem use mouse no PC, tem quem use mesas digitalizadoras baratinhas, ou desenhe com o dedo mesmo num aplicativo gratuito de celular. A arte digital de alta resolução é bem padronizada, com todo mundo usando as mesmas marcas e praticamente os mesmos softwares também, mas no Pixel Art há uma infinidade de opções pra que cada um possa escolher onde se adapta melhor.

Outra vantagem de se começar a praticar Pixel Art quando se é iniciante em desenho é o avanço rápido. A arte tradicional de tinta no papel e a arte digital em alta resolução, que simula a lógica do tradicional, levam bastante tempo pra aprender porque é bastante coisa pra se aprender mesmo: habilidades como desenho tridimensional, observação, controle da linha, teoria cromática, gestual, etc, etc. O Pixel Art também é arte 2D e também usa essas habilidades, mas remove outras como controle de linha e a precisão da mão.

É normal olharmos pra uma arte complexa de um pintor digital e pensarmos “como diabos se faz isso?!”. A complexidade técnica pode ser até misteriosa – é normal artistas mostrarem os arquivos originais para alunos ou patronos pra verem como o processo funciona “por baixo do capô” – as manipulações de camada, efeitos, máscaras, etc. Já o Pixel Art funciona, na minha visão pessoal, mais como o Ovo de Colombo – as soluções dos grandes artistas como Glauber Kotaki, Danilo Dias ou Saint 11 impressionam, mas a gente pode analisar pixel a pixel pra ver como se chegou no resultado final. O pulo do gato está em como usar essas técnicas no nosso próprio trabalho, não num segredo escondido.

Arte é sobre resolver problemas

E Pixel Art é sobre resolver problemas muito específicos, relacionados a resolução e contagem de cores.
Um exemplo interessante é o primeiro jogo da série Final Fantasy, de Nintendinho/Famicom. Eu quero olhar especificamente para a versão original do jogo, de 1987: os gráficos dos consoles da terceira geração (master system e nintendinho, principalmente) são muito mais capazes de representar os conceitos que os desenvolvedores queriam apresentar nas telas de TV do que a geração anterior, como o Atari 2600, mas ainda assim esses pequenos sprites possuem muitas limitações de cores, animações, armazenamento…

Então, é 1987 e a artista Kazuko Shibuya é contratada pela Square para trabalhar em Final Fantasy para o Famicom – segundo a entrevista no livro FF DOT (altamente recomendado), Shibuya não tinha conhecimentos sobre videogame e nem nunca havia feito Pixel Art antes de fazer a entrevista e ser contratada. Mas como fazer arte é resolver problemas, eu imagino que ela deve ter ficado encucada com a primeira coisa a se fazer quando começa o desenvolvimento dos gráficos do jogo: como diabos traduzir a arte conceitual para os pequeninos sprites que o console era capaz de gerar?

A arte do Yoshitaka Amano é maravilhosa, mas completamente intraduzível para o modesto hardware do console de 8 Bits. A paleta do console consistia em 54 cores distintas, mas apenas três podiam ser usadas ao mesmo tempo em cada sprite ou tile de cenário.

Engenheiros e designers espertos foram capazes de altas gambiarras para burlar essas
limitações e tirar água de pedra, mas vamos focar na parte artística.

É assim que se parece a tela de batalha do primeiro jogo, já inaugurando o estilo da franquia de colocar os heróis visíveis de um lado da tela e os inimigos de outro (Dragon Quest e Phantasy Star, por exemplo, deixavam em visão de primeira pessoa e só os monstros eram visíveis).

Eu particularmente acho extremamente fofos e expressivos esses sprites, bem mais do que todos os seus remakes para hardwares mais poderosos. Vamos olhar mais de perto o sprite do guerreiro da luz: ele mede 24 pixels de altura e 1 pixel de largura, o que é bem pouquinho mas normal para os padrões do NES.

Nessa imagem temos um comparativo entre os tamanhos de vários heróis de jogos de Nintendinho, do minúsculo maguinho de Micro Mages (um jogo moderno mas que foi feito para ser rodado no console original) com 8×7 pixels até o “gigantesco” Haggar de Mighty Final Fight com 24×34 pixels (só pra comparação, o sprite de Haggar do Arcade tem 81×93 pixels).

Então, o segundo problema: em um momento do jogo, os personagens do primeiro Final Fantasy passam para classes especiais, saindo de iniciantes para experientes: o guerreiro se torna o cavaleiro, o ladrão se torna o ninja, o faixa-preta se torna o mestre, etc. Mas como representar isso graficamente?

Poderíamos fazer como no Mario do exemplo, que cresce de 12×15 pra 14×27 pixels – mas isso acabaria com o alinhamento dos personagens no grid. A solução foi muito interessante: os sprites das versões avançadas continuam com o mesmo tamanho, mas a diferença na proporção dos personagens demonstra a diferença:

A proporção de cabeça grande, olhos grandes e corpo relativamente menor é típica de cartoon, ou mais especificamente, de mangá chibi/super deformed. Usando técnicas de ilustração 2D, o pixelart de Final Fantasy consegue passar tanto a ideia de um guerreiro determinado, mas inexperiente e sua contraparte sarada e experiente, tudo isso seguindo a limitação pesada que o hardware impõe.

Ok, legal, mas como começar?

Com softwares! Existem várias opções, de pagos a gratuitos:

Aseprite – provavelmente o mais popular de todos e minha recomendação pessoal. Muito fácil de usar para iniciantes, tem uma interface padrão photoshop que faz com que seja muito fácil se acostumar com ele pra quem conhece as ferramentas da Adobe também. Uma vantagem enorme do Aseprite sobre o Photoshop são suas ferramentas de animação. E bem barato, disponível na Steam com preço regional para o Brasil.

Pixel Studio – app freemium disponível para Android, bastante popular também. É uma ótima alternativa pra quem quer experimentar a Pixel Art sem pagar absolutamente nada – e não se importa de ver uns anúncios. Minha crítica ao Pixel Studio é não ter atalhos de toque.

Photoshop – o mais popular editor de imagens. O Photoshop não é pensado especificamente para arte, quanto mais Pixel Art. Mas é uma opção boa pra desenhistas calejados no programa que querem experimentar Pixel Art sem a necessidade de trocar de software. De qualquer forma, ainda recomendo o Aseprite pelo foco e pela capacidade de animação.

Procreate – app de ilustração exclusivo de iOS, Procreate é barato e num Ipad munido de Apple Pencil, uma experiência de desenho maravilhosa. Mas, para Pixel Art não vejo vantagens – pelo fato de estar restrito aos portáteis da Apple e não ter funcionalidade básicas como mudar o tamanho do arquivo depois de criado, sem falar da animação limitada, recomendo deixá-lo só pra arte digital de alta resolução.

Pixaki – descobri esse procurando por alternativas no Ipad e esse parecia o software perfeito: feito especificamente para Pixel Art, possui atalhos gestuais como os do Procreate, e até já conta com as resoluções de consoles clássicos como tamanhos de tela padrão. Só que… ele é caro. Saindo por R$150 é um valor bem alto pra um app mobile, até se comparado ao Procreate.

Pelo menos ele tem uma versão gratuita completamente utilizável com limitações de número de camadas e resolução mas que dá muito bem pra fazer artes mais simples.

No próximo episódio…
Esse texto foi só teoria, mas no próximo vamos botar a mão na massa e conferir as regras fundamentais da Pixel Art e fazer nossos primeiros personagens. Até lá e se você curtiu não deixe de acompanhar as lives desenhando no Pixxeria toda quinta-feira às 19 em twitch.tv/pixxeria – e experimentando e babando por jogos de Pixel Art nos outros dias também!

Comenta aí, berd!

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